quarta-feira

I CONFERÊNCIA ESTADUAL DO POVO DE TERREIRO DO RIO GRANDE DO SUL.

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                                               Por Iyá Sandrali de Campos Bueno- Sandrali de Oxum
           E então, sob a benção das(os) mais velhas(os), sob a benção das(os) mais novas(os), sob a benção da nossa ancestralidade, sob a benção  daquelas e  daqueles que virão, o  Comitê Estadual do Povo de Terreiro chega a sua meta principal: realização da I Conferência Estadual do Povo de Terreiro, visando a consolidação do Conselho Estadual do Povo de Terreiro do Rio Grande do Sul.
         O Povo de Terreiro organizou-se e veio de vários lugares, desde ao extremo sul do estado até a região da fronteira, de leste a oeste deste estado ¬ do  estado brasileiro que mais se autodeclara como praticante da matriz africana, umbanda ou outra denominação congênere, segundo dados do IBGE e FGV, Censo 2010¬ para juntos “consolidar a criação do Conselho Estadual do Povo de Terreiro e propor diretrizes para elaboração de um programa estratégico de implementação de políticas públicas para o Povo de Terreiro e para o conjunto das Populações de Ascendeência Africana”[1]. Mulheres, homens e jovens participamos de 26 conferências, no período de 10 de fevereiro a 10 de março do ano de , atingindo 49 municípios, demonstrando a força da organização, do coletivo e o anseio pela transformação nas relações de poder, pelo combate ao racismo e às intolerâncias.
      Chegamos à I Conferência Estadual do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. E chegarmos até aqui, é uma vitória. É uma vitória porque é mais um passo de uma caminhada que antecede ao momento de nossa saída da África. É uma vitória que passa por Palmares – Zumbi, por Martin Luther King, por Nelson Mandela; passa por Rosa Parks, por Winnie Mandela, por Abdias do Nascimento, por Oliveira Silveira, pelo Nego Lua, pela Oscarlina, por Mestre Borel, pela Marcha pela Vida e Liberdade Religiosa do Rio Grande do Sul, pelas Iyás e Babas de nossas Iyás e nossos Babas, pela nossa Ancestralidade… É uma vitória com muitas datas, muitos marcos e todas as suas marcas. É uma vitória que se aproxima e se amplia quando cada criança, cada jovem, cada adulto, cada pessoa, faz o bori. É uma vitória que se configura quando cada Iyá e cada Baba pintam, enfeitam, assentam o Axé e abrem uma “Casa de Religião” - como se dizia, desde sempre, aqui por estes pagos- um Terreiro, um espaço sagrado reconfigurando a África, em um novo território, em lugares muitas vezes áridos, ásperos, destituídos de marcas e significados.
É uma vitória construída por muitas mãos. Uma mandala, um vitral, uma fina tapeçaria, uma dança. É a dança de um povo que se levanta e se aviva a cada passo dado por um de seus membros constituintes.
Uma longa caminhada de muitas lutas que se reeditam e renascem todos os dias sob o mesmo parâmetro: o combate ao racismo e a todas as discriminações e violações de direitos. E, como essas lutas acontecem em vários níveis, precisamos nos fortalecer em muitos campos, dentre eles: o estudo e a reflexão, pois eis que então, “de repente”, uma verdade que sempre esteve presente emerge com uma nitidez incontestável, ganha palavras e então caminhamos em uma nova luz. Como quando Makota Valdina nos presenteou com essas luminosas palavras:“Eu não descendo de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados…”. E isso muda tudo, traz uma nova forma de ver, de se postar, de nos posicionarmos frente a nossa história, como uma dignidade reconhecida e restaurada.
Amarildos, Cláudias, Mãe Patrícia de Oyá, mulher transgênera, de Rio Pardo  e daí não foi por acaso que a primeira conferência municipal aconteceu em Rio Pardo , Iyá Mukumby, de Londrina, mulher negra cujo assassinato atingiu três gerações assassinadas pelo racismo, pelo machismo, pelo sexismo, pela homofobia, pela intolerância que estrutura e consolida as sociedades capitalistas, as sociedades ditas modernas, pós-modernas, globalizadas e globalizantes.Tantas dores, tantas mágoas, tantas lutas… Indignação. Mas a nossa indignação não deve ser raivosa; ela é serena, respeitosa, reflexiva, propositiva e persistente; é amorosa, pois, só assim, será possível desconstruir essa cultura de dor e negação do Amor, da negação da Vida, do reconhecimento do Direito à Existência e à condição de Humanidade do outro que vive, e que vive também em mim e me configura.  Seja ele preto, branco, índio, negro, amarelo, homem, mulher jovem, ou criança. E que essa indignação nos conduza  a mais um passo de nossa trajetória, a mais uma conta de nosso colar de lutas, nos unindo à iniciativa conjunta de vinte e três países da América Latina e Caribe que, reunidos em Brasília, reafirmaram o compromisso com a pauta de combate ao racismo, à discriminação racial e à preparação da Década dos Afrodescendentes.
E, como nos lembra Mia Couto[2], “o Último Vôo do Flamingo fala de uma perversa fabricação de ausência – a falta de uma terra toda inteirade uma família toda inteira, a ausência de um Pai, de um filho, de uma mãe, de vários filhosum imenso rapto de esperança, praticado pela ganância dos poderosos. O avanço desses comedores de esperança” Lá, como aqui, nos obriga a todas e a todos a um crescente empenho moral, ético, respeitando a história e a luta de cada um e de cada uma, mas essencialmente respeitando a construção do coletivo, da ancestralidade.
Pois, quis Olorum que a humanidade nascesse na África e assim foi. Assim é, e assim será. Assim como quis que o Rio Grande do Sul fosse o primeiro estado a realizar a I Conferência do Povo de Terreiro.



[1] Regimento da I Conferência do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, Art.1º,inc. I;II).

[2] COUTO, Mia, O Último vôo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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