“ Na Cascatinha do Rincão era tudo
mato, aqueles campos que hoje são cidades, eram tambos de leite. A primeira
procissão eu me lembro, quando entrei na mata, aquela bela cachoeira! Depois,
com o loteamento Jardim Algarve, houve desvio da água. Alí todos os anos,
fazíamos a festa do Pai Xangô, tinha uma procissão, até o largo da Prefeitura.
Povo e povo de branco, quadras e quadras de pessoas, fardadas ou não, era a
procissão de Pai Xangô, e, eu, cuidando da Cascatinha” Pai Lelo
1943 – Começaram os trabalhos
afrobrasileiros do Pai Lelo (Manoel Ireno Cardoso) em Alvorada. Dirigente
umbandista, líder espiritual, passou a utilizar a área da Cascata do Rincão
para prática de cultos de matriz africana. Em função dos elementos exuberantes
do local, paralelamente ao seu trabalho de líder religioso, adotou e deu
reconhecimento ao local, antes mesmo da emancipação de Alvorada, antigo Passo
do Feijó.
O desenvolvimento de seu trabalho
religioso confunde-se com a história da utilização da Cascata para realização
dos cultos, difundindo o local para a prática dos ritos, oferendas e
instituindo a procissão anual, no final de setembro em homenagem à Xangô, que
saí da Cascata e vai até o centro da cidade, percorrendo mais de 9km.
Por sugestão de Pai Lelo, Xangô, na
religião Católica São Gerônimo, foi escolhido Padroeiro de Alvorada, pela
Câmara Municipal de Vereadores e é feriado municipal. Na Cascata, além das
procissões, em vários eventos Xangô é reverenciado: inauguração da Pedra de
Xangô; pintura da imagem na Pedra e festas religiosas.
Os eventos religiosos, desde aquela
época, contaram com o apoio e o prestígio das autoridades locais e oriundas de
fora do Município de Alvorada, e a instituição da Cascata do Rincão como um dos
únicos lugares do Brasil próprio à realização dos cultos afrosbrasileiros,
dando notoriedade e tornando-a conhecida em todo continente.
1972 - Setembro, o então prefeito
Pedro Antônio de Godoy, autoriza oficialmente Pai Lelo à utilização da área da
Cascata para as práticas religiosas, e, em 1981, o então prefeito Marne M.
Feijó, decreta a permissão de uso da área à comunidade Umbandista, sob à
administração de Pai Lelo (Decreto 140/81).
1983 - Outubro, face ao aumento e da
dimensão do trabalho realizado e responsabilidade, juntamente com seus filhos,
Pai Lelo lidera a criação da Associação Cultural Religiosa e Beneficiente São Gerônimo. A área, passa a fazer parte da
história de Alvorada, sendo reconhecida e procurada cada vez mais por toda
comunidade das diferentes “bacias” das religiões de Matriz Africana, inclusive
de fora do país.
O reconhecimento e a procura pelo
espaço com muito verde e água corrente, começa
a dar sinal de esgotamento, a cidade se desenvolve em seus arredores
acarretando a depredação do meio ambiente (matas, água, espaço físico pelas
ocupação desordenada no seu entorno), a produção do esgoto sem tratamento,
produzido e largado nos manancias de água na região, Pai Lelo, já com mais de
70 anos de idade começa o replantio de árvores.
No sentido de preservar a área, começa
a replantar árvores, conscientizar os usuários do local e pedir apoio as
autoridades e instituições para manutenção do ambiente natural, porém com a
morte de Pai Lelo em 1995, o trabalho de proteção e preservação do local fica
fragilizado, pois devido ao luto preconizado pelo fundamento religioso, o local
fica a mercê dos usuários, não havendo constância no cuidado e manutenção do
local por parte da Associação São Gerônimo, fragilizada também pela perda de
seu líder maior.
1997 - Passado o luto religioso a
Associação São Gerônimo, reconstituída, recebe denúncias que o espaço tinha
sido depredado, local este do Patrimônio Público do Município e da comunidade
religiosa, observando a invasão do local
pela moradia (invasão da rua 19); a venda de drogas; a ocorrência de roubos e
assaltos; a depredação do ambiente pelo lixo e esgoto (correndo a céu aberto),
a queimada de árvores (colocação de velas próximas das árvores), e ainda a
cobrança de gorjetas para as práticas religiosas.
A partir daí, a Associação vai
paulatinamente, reassumindo a Cascata, retoma a zeladoria do local, a limpeza,
buscando parceria com a Prefeitura e discutindo com a comunidade e o poder
público uma maneira de manter o local para o fim que se destinou: o ritual de
matriz africana. Após idas e vindas, batidas em várias portas, a Associação
constrói no local uma pequena casa, retoma o abastecimento de água e luz, faz
reparos, planta árvores, inicia o cercamento e a iluminação do espaço
central.
1997 – Setembro - Inaugurada uma placa
em homenagem ao Pai Lelo (Manoel Ireno Cardoso) na Praça Leonel Brizola, em
reconhecimento aos trabalhos prestados à comunidade Umbandista, administração
da Prefeita Stela Farias.
1999 – Em dezembro, a Associação, apresenta ao
poder público o Projeto “ PASSO A
PASSO”, Cascata do Xangô, recebendo o número 8050/98 na Secretaria de
Cultura e Desporto Municipal, passando o mesmo por longas discussões, encontros
e debates.
2000 – Março, 18, 18h - Assembléia Geral no Ginásio Municipal de
Alvorada. Ginásio Municipal lotado, participam os filhos, médiuns,
simpatizantes, clientes, pais-de-santo, irmãs e irmãos de santo, Babalorixás e
Ialorixás, de todas as casas, de todas as bacias e ou lados do ritual de matriz
africana de Alvorada em uma decisão histórica e consta no documento final: “ o voto será universal, individual, único
no fazer o “novo”, pois Alvorada é a
primeira cidade brasileira e quem sabe também a primeira da frente popular
deste país, a decidir em conjunto com a população afrodescendente o destino de
uma área institucional, de rito, de memória, “ do sagrado”, no lugar onde o seu passado ritual, sua liturgia,
sua cultura não é caso de policia” e então poderemos repetir, ecoar, durante os
anos que se seguirem; “quando novos membros são iniciados, o que é considerado
a troca de axé, aumenta o potencial energético de toda a comunidade”!
E assim comunidade e poder público,
votaram e daí em diante a Cascata do
Rincão, passa a ser oficialmente, reconhecida de fato e de direito, CASCATA DO XANGÔ.
Nota: Em homenagem aos 61 anos da Procissão do Padroeiro de Alvorada, nas festividades de 2013.
" Somos a Memória que não se Cala!"
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