Livro aborda
relação entre escravidão e o tráfico internacional de mulheres e jovens para
exploração sexual
Não foi apenas a segregação racial, a desigualdade social entre
brancos e negros e o preconceito que a escravidão herdou ao Brasil. Dentre as mazelas
do período escravocrata, o tráfico de pessoas para a exploração sexual é
produto direto do nefasto comércio praticado no País.
De acordo com a especialista em direito penal Thaís Camargo
Rodrigues, embora o primeiro intuito do tráfico de negros para o Brasil não
fosse a exploração sexual, muitas escravas foram obrigadas por seus senhores a
se prostituir. "Mesmo após abolida a escravidão, era possível encontrar
ex-escravas negras na prostituição. Aos poucos, porém, foram sendo substituídas
pelas europeias, escravas de outros senhores", explica a autora do livro
Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual (Editora Saraiva).
"Hoje vemos desde meninas vendidas no nordeste do País para serem
exploradas sexualmente em grandes capitais ou locais de garimpo a jovens pobres
(meninas e travestis) traficadas para a Europa, Estados Unidos, Japão, Israel,
Venezuela, Suriname."
No livro, que surgiu de sua dissertação de mestrado em direito
penal, defendida em 2012 na USP, ela explica que o tráfico de pessoas, seja
para exploração sexual, trabalho escravo ou venda de órgãos, é um delito
presente em todos os continentes e suscita a necessidade de uma vigilância
internacional, uma vez que envolve graves violações de direitos humanos.
Segundo dados fornecidos em 2010 pelo UNODC (Escritório das Nações
Unidas Contra Drogas e Crime), a movimentação financeira envolvida no delito de
tráfico de pessoas com fim de exploração sexual para a Europa alcança 3 bilhões
de dólares anuais. O número de novas vítimas chega a 70 mil por ano.
Das vítimas traficadas para a Europa Ocidental e Central, 84% são
destinadas à exploração sexual. A maior parte é proveniente do Leste Europeu,
devido aos problemas políticos e sociais que atingem a região. Mas, ela lembra,
"das vítimas com origem na América do Sul, é cada vez maior o número de
brasileiras, incluindo transexuais, provenientes principalmente das regiões
mais pobres do País". Portugal, Espanha, Itália e França são os principais
países de destinos das brasileiras, que também são encontradas nos Países
Baixos, na Alemanha, na Áustria e na Suíça.
A autora observa, ainda, que o século XX trouxe uma espécie de
inversão dos fluxos migratórios. "Se no início do século a preocupação era
com as escravas brancas, as europeias trazidas para a prostituição nas capitais
sul-americanas como Rio de Janeiro e Buenos Aires, desde o final do século XX o
que se vê são os países pobres e subdesenvolvidos como fornecedores de pessoas
para a exploração sexual em nações ricas, especialmente para o mercado
euro-ocidental", explicou.
Leis. O Brasil, apesar de ter adotado um sistema na política
criminal brasileira baseado na "abolição" - que não pune a
prostituta, mas sim quem a trafica ou explora -, tem uma legislação
insuficiente no combate ao tráfico de pessoas para exploração sexual, de acordo
com a autora.
"O Código Penal possui lacunas, e os delitos referentes ao
tráfico se apresentam sem sistematização ou proporcionalidade de penas. Mas não
podemos pensar apenas em Direito Penal", alerta. "Sem a cooperação
internacional e a implementação efetiva de uma política interna de
enfrentamento ao tráfico de pessoas, que adote um trabalho em rede, incluindo
entidades estatais e a sociedade civil, não haverá a prevenção ao crime, a
punição dos traficantes e exploradores e a proteção e assistência às
vítimas."
Além da estratégia de prevenção no campo legal, seria necessário
também incremento de políticas públicas e sociais com foco em pontos
fundamentais, como educação, trabalho e moradia.
"Lembremos que, dentre as causas, estão a pobreza, a falta de
acesso à educação, de emprego ou de oportunidades, a discriminação de gênero,
étnica ou de religião, as crises humanitárias, os conflitos bélicos, os
desastres naturais, a globalização, o consumismo", analisa. "Os países
ou locais de origem são, em regra, locais miseráveis, onde há total ausência do
Estado (saúde, educação, trabalho), como América Latina, Leste Europeu, África,
Leste Asiático."
Acesse o PDF: Escravidão foi berço do
tráfico para exploração sexual, diz especialista (Carta Capital, 01/10/2013)
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