sábado

Orisa no Candomblé e no Isese Lagba (Religião Tradicional Ioruba)


Uma pessoa veio me pedir para falar de orisa para ela, eu sabia que ela possuía uma série de informações de tudo o que foi produzido sobre orisa no Brasil na perspectiva da
 diáspora. Eu disse a pessoa pois bem, topo falar pra você sobre orisa, porém você quer escutar na perspectiva da diáspora no Brasil o Candomblé ou você quer escutar na perspectiva da cosmogonia Iorubá? A pessoa pensou, pensou e me disse, "mas veja só tem alguma diferença? Os orixás no Brasil não são os mesmos cultuados na Nigeria e no Benin?" - Eu disse: meu caro os orixás são os mesmos, por que são energias vivas da natureza, mas eles assumiram outras roupagens na diáspora brasileira e até em Cuba, no Haiti etc. 

Deixa eu te explicar melhor disse eu: o processo de ruptura com as origens e a inserção em outro território distante, bem como a convivência com culturas desconhecidas, tornou possível um fenômeno único na vida dos nossos antepassados que vieram como escravos para o Brasil especificamente. A convivência na senzala com povos diferentes, muitas das vezes até desconhecidos, bem como o encontro com a cosmogonia indígena, cristã-católica etc., foi possibilitando uma outra forma de compreensão dos cultos originários. Isso desencadeou o que os pesquisadores da área de antropologia chamam de síntese cultural que ficou conhecido como sincretismo - uma agregação de cultos e valores de tradições diferentes. O sincretismo foi o março zero da resistência e da sobrevivência desses cultos de origens africana que foi consolidando aqui no Brasil e também em outras partes da América, tal como a Santeria, o Lucumi em Cuba e o Vodu no Haiti entre outros. 

Essa junção, ou mesmo essa síntese de expressões religiosas que se encontraram na senzala deu origem ao Candonblé religião afro-brasileira que reúne em seu corpo liturgico-teológico-filosófico não somente aspectos da tradição Iorubá, mas de outras tradições religiosas da costa africana tais como do Benin, do Togo, do Congo, da Nigéria, de Angola - dos povos Bantus, Iorubas, Tapas, Fon, Mahi, entre outros. Sem falar que tem influências das tradições indígenas, católicas, espíritas (kardecista), judaico etc. 

É nesse sentido meu caro que digo para você que os Orisás assumiram outra roupagem e até em alguns casos outra identidade no Candomblé. Te dou alguns exemplo: 

1. Yomonja (Yéyé Omó ejá = mãe cujo os filhos são peixes) que no Brasil se tornou a rainha do mar, na Africa ela é um das deusas do rio (Odo), cultuada pelo grupo étnico Iorubá conhecido como Egba que vive entre Ile Ifé e Ibadan, devido as guerras internas o culto a essa divindade migrou para o oeste (Nigéria), sendo hoje forte seu culto em Abeokuta onde é louvada e saudada no Rio Ògún. Para os Iorubas a divindade dona do mar é Olokun.

2. Omolu e Obaluàiyé - no Brasil estas duas divindades tornaram o mesmo orisa: Omolu o aspecto velho de Sapata (Soponnan) e Obaluae o aspecto novo. Para o povo ioruba ambos são orixás distintos Obaluàiyé é Soponnan, no Benin a mesma divindade é conhecida como Sákpátá - conhecida também como Obaluàiyé e Ainon que quer dizer respectivamente: "O Rei dos donos da terra e Dono da Terra". 

Tanto Soponnan como Sákpátá tem por altar um pequeno monte de terra sobre o qual estão inseridas de cabeça para baixo duas ou três panelas de barros cheia de furinhos. Tais altares são frequentemente encontrados nas encruzilhadas perto da entrada das aldeias e seus templos são erigidos a certa distância dos núcleos urbanos. Conheço pessoalmente o altar dessa divindade tal como é na Nigéria, essa divindade é de uma meticulosidade sem igual. 

Omolu ou Olu são títulos de uma divindade regional originária do Oeste ( Verger descreve isso muito bem in Notas sobre o Culto aos Orixás e Voduns na Bahia de todos os Santos, no Brasil, e na Antiga Costa dos Escravos, Africa - publicado pela Editora da USP), essa divindade (Omolu) está associada à água e que acabou em Ketu sendo confundida com Soponnan/Obaluàiyé o que me leva crer que elas (essas duas divindades) possuíam funções em comum. Possivelmente essa antiga divindade (Omolu) era associada ao culto dos primeiros antepassados que ocuparam a terra. 

Buruku é o nome de uma divindade encontrada sobretudo no Oeste da Nigeria, mas conhecida também em Ile-Ife e em Òyó, bem como em território Nupê. No leste é uma divindade da varíola e tende a confundir-se com Obaluàiyé/Soponnan, em Atakpamé assume feições de deus supremo. Em Dassa no Oeste de onde origina seu culto é representada por um montículo de terra tal como Sákpátá. Buruku no Brasil ficou associado a Nanã, antiga divindade da terra. Mas Na, ou Nanã é um título usado para designar uma senhora venerável, princesa, rainha ou tia idosa. 

Portanto Nanã Buruku quer dizer "Veneral Mãe Buruku". Em Abeokuta Buruku e Omolu são cultuados no mesmo templo, o que deve significar que eles mantêm algum parentesco. Já vi o altar dessas duas divindades pessoalmente aqui no Brasil conforme é na Nigéria e as duas divindades se encontram juntas no mesmo altar. Omolu é literalmente uma divindade das águas. 

Conforme Claude Lepine (estudioso das tradições religiosas africana), em Ketu Soponnan, Omolu e Obaluàiyé são as mesmas divindades. O presente texto não trata de dizer que o Candomblé está errado. Mas sim de salientar o processo pelo qual as tradições africanas iorubas se adequaram em território brasileiro. Eu entendo e vejo o Candomblé como uma religião própria e independente, que criada no Brasil tem liturgia, teologia e filosofias próprias, e as vezes até distante daquela de origem. 

Poderíamos falar de outros Orisás que na diáspora assumiu outras feições e outras conotações que distanciam daquelas de sua origem tais como: a meiguice exacerbada de Osun, a devassidão enlouquecida de Oia, a ênfase tão somente na força de Ògún, a centralidade da justiça de Songo, a calmaria de Obatala (que na diáspora virou Oxala, Oxalufon e Oxaguian), a afetação efeminada de Oloogunode - inexistente na Nigéria, a docilidade de Oxossi etc. 

Por fim, quero dizer que esta diversidade e diferenças devem nos convidar ao dialogo permanente em prol de um legado comum: a proteção das nossas tradições de origem africana e africanas no Brasil. Ao final meu amigo que solicitou esta explicação ficou mais confuso ainda. Eu disse a ele se não houver um mergulho ele nunca entenderá o que tão somente não pertence a razão. 

Awo Ifayomi Oyekanmi Oyekale.

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