quarta-feira

Deixa a ELZA SOARES, gingar, Feliciano!


Cantora protagoniza momento raro onde arte e política tornam-se uma coisa só

Por Pedro Alexandre Sanches, do Ultrablog
Não é todo dia que a história nos reserva acontecimentos deste porte.
Elza Soares vinha fazendo um show emocionado no Sesc Pinheiros, na
noite de quinta-feira (20 de março). 
Elevou a emoção em mais um grau
ao cantar, rappeando, uma versão bem Elza para “Não É Sério” (2000),
rock do Charlie Brown Jr., em homenagem a Chorão. Vinha ela de “o
jovem no Brasil nunca é levado a sério”quando, de repente, a música
virou do avesso e se transformou em algo que nem Chorão poderia supor
se aqui ainda estivesse: um protesto contra o pastor evangélico e
deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), alçado por jogos de poder
que não compreendemos à posição de presidente da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara Federal.

“Eu me sinto maltratada. Me sinto um pouco renegada. Cadê os direitos
humanos? Somos negros. Somos gays”, Elza começou, referindo-se
diretamente às renitentes manifestações de cunho racista e homofóbico
por parte de Feliciano, seja como pastor deputado, até mesmo no
impensável cargo no qual ele deveria defender – e não atacar –
direitos humanos os mais variados.

De imediato, a plateia se levantou e passou a ovacionar Elza. “Fora,
racista!”, ela comandou. “Fora!”, correspondeu a plateia. “Fora!,
fora!, fora!”, repetiu a cantora, rappeando, como se o rock branco de
Chorão fosse o samba-rap preto de Elza Soares. Como tem acontecido em
ruas de diversas brasileiras desde que Feliciano sentou no trono
inadequado, os espectadores presentes deliraram em protesto contra sua
permanência. E Elza esmerilhou o assunto: “Será que ele sabe que a voz
que ganhou a voz do milênio pela BBC de Londres é de uma negra,
chamada Elza Soares? Sou eu. Será que ele não sabe que quem trouxe a
Copa do Mundo para este país foram Pelé e Garrincha, negros?”.

O que negra Elza protagonizava era um desses raros momentos em que
arte e política se tornam uma coisa só, e enriquecem um ao outro, bem
longe de chatear a diversão como muito gosta de afirmar e repetir um
desgastado clichê da crítica cultural comercial. O público demonstrou
se divertir à beça com o protesto, e vice-versa.

Era só a quarta música do show Deixa a Nega Gingar, mas, se é caso de
mirar a apresentação em perspectiva, antes e depois daquele momento
mais exaltado, só uma conclusão é possível: Elza Soares é 100%
política, direitos humanos e arte – sobretudo arte.

Já tornada histórica em sua voz, a canção imediatamente anterior à que
(des)uniu Chorão e Feliciano foi “A Carne” (1998), parceria de Seu
Jorge (na época à frente do grupo pop-reggae-soul-funk-etc. Farofa
Carioca) e Marcelo Yuka (então cérebro do rap-reggae-rock consciente
da banda O Rappa). Adaptado ao gogó de Elza, o refrão vira o forte e
reto “a carne mais barata do mercado é a MINHA carne negra”. “Elza
Soares é negra”, “a minha mãe é negra”, “a minha carne é negra”, ela
acrescenta à canção, estimulando público apaixonado a repetir “negra”,
“negra”, “negra”…

Antes ainda, ela já beliscara o racismo ancestral embutido em “Nega do
Cabelo Duro” (1940), marchinha carnavalesca nada inofensiva coescrita
pelo também jornalista poderoso David Nasser. Na versão de Elza, a
mistura ganha versos tipo funk carioca como “eu sou negrinha/ eu sou
gostosa/ o meu cabelo tá na moda”. Os cabelos alisados de Feliciano,
neste outro contexto, ganham ares de tragédia, autopreconceito e
automutilação. Aqui Elza, cabeluda encaracolada que só, é o
anti(in)Feliciano. “Quando a gente é feliz, a gente não maltrata
ninguém”, acrescentou mais adiante, autoelogiando a alegria que
transmite mesmo presa à cadeira, com os movimentos (mas nunca a voz)
limitados por uma cirurgia na coluna. “Respeitem uma mulher operada,
gente”, ela brincou, ciente do trocadilho caro a travestis,
transexuais e transgêneros.

Elza Soares lança álbuns de música desde 1960 – há inacreditáveis 53
anos. Enquanto o racismo estrutural desta sociedade operava para
enquadrá-la na condição (supostamente) desvantajosa de mulher negra, o
mercado musical fazia o mesmo com o(s) estilo(s) de sua voz: muito se
tentou aprisioná-la unicamente sob o rótulo de sambista. Por vezes ela
teve de obedecer, mas já faz tempo que isso não acontece – mais ou
menos o mesmo intervalo desde o início do desmoronamento da indústria
fonográfica como a conhecíamos. Democratizando-se o Brasil, Elza se
pôs doidamente a se democratizar.

Deixa a Nega Gingar é a cristalização dos ventos de liberdade que Elza
há tempos vem soprando sobre nós. Imobilidade física à parte, ela está
livre para falar dos assuntos que quiser – música, música, música,
racismo, racismo, racismo, machismo, homofobia, racismo, racismo etc.
A liberdade, digamos, ideológica se reflete diretamente na liberdade
musical. Elza adota um formato que já testara em 2004, no disco de
samba eletrônico Vivo Feliz. A ideia ressurge aperfeiçoada e impactada
por uma banda sensacional que inclui um músico negro no contrabaixo
acústico (pode lhe parecer banal, mas quantas vezes você já viu um
instrumentista negro empunhando esse pomposo instrumento?), um
tecladista branco que a certa altura intromete deliciosa sanfona na
receita e o sensacional DJ Muralha, que desmente o clichê de que DJs
de música eletrônica não são músicos e se torna um dos focos luminosos
do show, à custa de picapes e iPad.

Acalentado em eletrônica, o show de Elza transcende o samba e faz
lembrar, em momentos distintos, atos como Pink Floyd, Prodigy,
Radiohead. E termina num impressionante tecnocandomblé enriquecido por
três ritmistas (negros), sob os sons de “Madalena do Jucu” (1989), de
Martinho da Vila, “O Que É o Que É” (1982), de Gonzaguinha, e o
samba-enredo de avenida “É Hoje” (1982). A eletrônica é usada a
serviço da brasilidade, e isso é tão novo e quente quanto o entusiasmo
irrefreável de Elza negra.

Todos no palco, exceto a dona do palco, são muito ou relativamente
jovens. O contraste se acentua nas várias canções em que Elza chama a
paraense Gaby Amarantos para secundá-la “Você é minha barra de
chocolate, dá vontade de comer Elza Soares”, diz Gaby, antes de ambas
cantarem juntas uma versão desacelerada de “Ex-Mail Love”. Um traço
próprio da inventora do samba-jazz, de estar sempre ligada a cada
momento musical que atravessamos, faz com que Elza reverencie a deusa
profana pop-brega-MPB-indígena-etc.

Talvez Gaby seja a Elza de amanhã, e a experientíssima artista é
generosa e inteligente emenxergar e sublinhar isso hoje, agora, sem
demoras nem delongas. De certo modo, o tecnobrega da discípula é o que
a matronaa sempre quis fazer – e faz – em sua cybergafieira,
arrombando barreiras de gêneros (musicais, sexuais, raciais),
preconceitos, intolerâncias, ignorâncias. Por tudo isso, Elza é o
anti-Marco Feliciano, além de ser (e é bem bom que se diga isto quando
ela está BEM viva) uma das maiores artistas (ainda muito vivas) da
história da música brasileira.


"Somos a Memória que não se Cala"

Um comentário:

Jama Libya disse...

Emílio Santiago homenagens é muito interessante e profundo ver o sincero carinho e admiração dos mais humildes fãs e a os consagrados fãs dizendo que o Emílio Santiago era o maior o melhor o mais de todos,mas é um de tantos outros que gênios Negros gigantes consagrados da MPB apesar de tantas ótimas referencias e ISO 9001 de super qualidade e reconhecimento nacional e internacional, infelizmente tudo isso não foi o suficiente para realizar o seu sonho, que ele sempre falava em suas entrevistas que era de ter um programa próprio onde que ele mais sabia fazer, cantar compartilhando com amigos do meio artísticos dando oportunidade as novas revelações e junto com esses grandes valores consagrados de MPB com suas lindas músicas, eu acho que seria um programa maravilhoso, mas infelizmente apesar de todo seu valor reconhecido não foi suficiente para convencer os donos das TVs e seus diretores que esse seria um programa do bem e de muita qualidade, hoje a nossa TV é dominada por programas que valorizam o lixo a vulgaridade onde que o leviano e a baixaria é a tônica principal do pseudo ibope, eu pergunto será que o povo e família a juventude gostam disso mesmo ou será que forças ocultas que domina a TV brasileira não querem que o povo valorizem o bom gosto e o talento de pessoas maravilhosas como Emilio Santiago(Que era lindo,simpático,gentil e encantador) e quantos outros, que foram discriminados e excluídos por não ser um padrão de beleza para comandar um programa de auditório,é uma pena não tivemos este prazer de ver o "Programa Emilio Santiago" sorrindo cantando e encantando nosso povo. Taryk Al Jamahiriya. Afro-indigena brasileira. da Organização Negra Nacional Quilombo – ONNQ 20/11/1970 – REQBRA Revolução Quilombolivariana do Brasil quilombonnq@bol.com.br
jamahiriya.libya@bol.com.br