Insanidade, crueldade ou princípios cristãos?
Católicas pelo Direito de Decidir manifesta-se sobre o caso da menina pernambucana de nove anos, grávida por estupro de seu próprio padastro
O que pode levar alguém a desejar obrigar uma criança, com risco de sua própria vida, a manter uma gravidez fruto de uma inominável violência?
O que pode levar alguém a desejar obrigar uma criança, com risco de sua própria vida, a manter uma gravidez fruto de uma inominável violência?
Rígidos princípios religiosos? Ou insanidade e crueldade?
Estamos falando do caso ocorrido em Pernambuco da menina de nove anos que apresentou gravidez (de gêmeos!) como resultado de estupros seguidos que sofreu de seu padrasto, violência a que foi submetida desde os seis anos de idade.
A gestação foi interrompida no dia 04 de março último, às 10h da manhã, seguindo o protocolo do Ministério da Saúde que permite abortamento em casos de gravidez de risco ou quando a gestante foi vítima de estupro, ainda que o aborto continue sendo crime no país.
O caso da garota pernambucana se enquadrava nos dois casos, já que a gravidez de fetos gêmeos também colocava sua vida em risco, pois a menina pesa apenas 36 kg e mede 1,36 m.
Por ser muito pequena, ela não tem estrutura física para suportar a gravidez de um feto, muito menos de dois.
É de se imaginar, ainda, os danos psicológicos a que seria submetida se fosse obrigada a levar essa gravidez a termo.
Para nossa surpresa - e indignação!-, entretanto, houve uma intensa movimentação de militantes religiosos contra a interrupção dessa gravidez tão perigosa, sob todos os aspectos, para essa pequena criança de nove anos. Até mesmo ameaça de excomunhão houve!
Sob o argumento da defesa da vida, essas pessoas não se importaram em nenhum momento nem com a violência já sofrida por ela, nem com a real possibilidade que havia de a menina perder a própria vida.
Se essa criança - que tem existência real e concreta, com uma história de vida, relações pessoais, afetos, sentimentos e pensamentos, enfim -, se essa menina não merece ter sua vida protegida, trata-se de defender a vida de quem?
De uma vida em potencial ou um conceito, uma abstração?
Quem tem o direito de condenar à morte uma pessoa em nome de se defender uma possibilidade de vida que ainda não se concretizou e não tem existência própria e autônoma?
Pensamos que se configura como pura crueldade essa intransigente defesa de princípios abstratos e de valores absolutos que, quando confrontados com a realidade cotidiana, esvaziam-se de sentido e, principalmente, da compaixão cristã.
Seria possível imaginarmos o que Jesus Cristo diria a essa menina?
Seria ele intolerante, inflexível e cruel a ponto de dizer a ela que sua vida não tem valor?
Ou ele a acolheria gentilmente, procuraria ouvir sua dor e a acalentaria em seu sofrimento?
Será que ele defenderia que ela sofresse mais uma violência ou usaria sua voz para gritar contra os abusos que ela sofreu?
Felizmente, a menina pernambucana pôde, graças ao respeito a um direito democraticamente conquistado, diminuir os danos das inúmeras violências que sofreu e a gravidez foi interrompida. Assusta-nos, porém, saber que, ao contrário dessa menina, outras tantas vidas têm sido ceifadas em nome de princípios intransigente, duros, violentos e nada amorosos.
Assusta-nos o desprezo pela vida das mulheres.
Assusta-nos que suas histórias sejam descartadas, que sua existência na Terra esteja valendo menos do que a crença autoritária de algumas poucas pessoas.
Para que a nossa democracia seja efetiva, as pessoas precisam ter o direito real de escolher.
Por isso, defendemos que as políticas públicas de saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos já conquistados sejam garantidos.
Além disso, lutamos pela legalização do aborto, para que as mulheres que assim desejem, possam levar qualquer gravidez até o fim.
Mas que as que não o desejam, não sejam obrigadas a arriscar suas vidas, ou mesmo morram, por se pautarem por valores éticos distintos.
São Paulo, 05 de março de 2009
Católicas pelo Direito de Decidir
São Paulo, 05 de março de 2009
Católicas pelo Direito de Decidir
Nenhum comentário:
Postar um comentário