sexta-feira

Adeus Oliveira Silveira, poeta da Liberdade!


Oliveira Silveira (1941-2009)

Faleceu ontem (1/1/09), em Porto Alegre (RS), o professor, poeta e pesquisador gaúcho Oliveira Ferreira da Silveira. Era conhecido nacionalmente pelo 20 de Novembro – cujas comemorações se iniciaram em 1971 pelo Grupo Palmares, na capital gaúcha -, como data referência para os afro-brasileiros em contraponto ao 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura.

O óbito ocorreu na noite do Dia Mundial da Paz por decorrência de câncer, no Hospital Ernesto Dornelles, onde estava internado há 15 dias.

Natural de Rosário do Sul (RS), era formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização na língua francesa, e professor aposentado da rede pública de ensino.
Era divorciado. Deixa filha e netos. Seu corpo será cremado nesta sexta-feira (2/1/09) em cerimônia reservada. As cinzas serão transportadas para sua cidade natal, de acordo com desejo expresso a familiares e amigos.
O 20 DE NOVEMBRO
Integrante de maior projeção do extinto Grupo Palmares, foi porta-voz da nascente data política para o Brasil, que fazia uma releitura histórica através da adoção de Zumbi dos Palmares como herói nacional.
Estava em jogo a desconstrução do mito da liberdade concedida, substituído pela combatividade negra durante todo o período de escravização e pela denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil.
O Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971, realizou uma série de atividades públicas – durante o regime militar – para evocação de ícones negros como Luiz Gama e José do Patrocínio. A reverência a Zumbi dos Palmares, ato de maior relevância daquele ano, ocorrera no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, frequentado por negros.
Em 1978, o 20 de Novembro foi elevado a Dia da Consciência Negra a partir da fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR).
ATUAÇÃO CONTRA O RACISMO
Oliveira Silveira teve constante atuação no Movimento Negro através da militância política e da produção literária negra. Fundou o grupo Semba, a Associação Negra de Cultura e integrou o corpo editorial da revista Tição (publicação do Movimento Negro gaúcho no final dos anos 1970). Com presença marcante, participou da produção cultural gaúcha, compôs rodas de intelectuais e formadores de opinião.
Fora homenageado em diversos eventos, entre eles a Feira do Livro de Porto Alegre. Escreveu uma dezena de livros (Poema sobre Palmares, Banzo Saudade Negra, Pêlo Escuro, Roteiro dos Tantãs, entre outros), e inúmeros poemas acerca da vida dos negros no Rio Grande do Sul e sobre a questão negra de forma geral.
Uniu-se a ativistas culturais e políticos através de sua obra poética, como Pedro Homero, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Cadernos Negros. Sua produção correu o mundo, com coletânea de autores negros publicada na Alemanha e poesias registradas em revistas de universidades dos Estados Unidos (Virgínia e Califórnia).
Foi conselheiro de notório saber em relações étnico-raciais do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), no período 2004-2008.
Atualmente, colaborava com a Secretaria por meio de consultoria acerca da preservação dos clubes negros como patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. Dedicava-se, também, ao informativo eletrônico Negraldeia juntamente com Evandoir dos Santos.
Frequentador assíduo dos clubes negros gaúchos, como a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora e a Associação Satélite Prontidão, Oliveira Silveira foi o idealizador e articulador do 1º Encontro Nacional de Clubes Negros, em 2006. Mapeou mais de 70 entidades desse seguimento existentes no País.

SIMPLICIDADE

Era entusiasta da causa negra, como ele próprio preferia denominar. Militante negro. Lutava contra o racismo. Colaborativo, tinha perfil agregador e encantava a todas as pessoas com suas histórias de um período elementar para o Movimento Negro brasileiro.

Vivia num apartamento na avenida Assis Brasil, zona Norte de Porto Alegre, repleto de livros e pilhas de revistas e jornais – referências para estudos, aprendizado e ensino de uma vida.

Gostava de registrar fatos e acontecimentos, de longas conversas e de coisas simples, como os passeios com o neto Tales ou pelo Centro de Porto Alegre, com paradas estratégicas no Mercado Público, na Esquina Democrática, na Rua da Praia e no Centro de Cultura Mário Quintana, onde era encontrado por quem quisesse desfrutar de sua agradável companhia. Um homem negro especial que, como bem disse uma militante negra gaúcha, virou estrela.

MAIS SOBRE OLIVEIRA SILVEIRA por ele mesmo:

Trechos de entrevista concedida a Jader Nicolau, do Portal Afro
20 DE NOVEMBRO

"O 20 de novembro começou a ser delineado em encontros informais na Rua dos Andradas, aqui em Porto Alegre. Estávamos em 1971. Reuníamo-nos e falávamos muito a respeito do 13 de maio, do fato desta data não ter um significado maior para a comunidade.

A partir desta constatação comecei a procurar outras datas que fossem mais significativas para o movimento. Comecei a estudar a fundo a história do negro e constatei que a passagem mais marcante era o Quilombo dos Palmares.

Como não haviam datas do início do quilombo, tampouco do nascimento de seus líderes, optei pelo 20 de novembro. Colhi esta informação numa publicação da Editora Abril dedicada a Zumbi, que dava esta data como a de seu assassinato, em 1665. Por ser uma revista, não se apresentava como fonte segura. Resolvi pesquisar um pouco mais, como forma de garantia. mais adiante, no livro "Quilombo dos Palmares", de Edson Carneiro, a data se repetia. Considerei esta fonte segura, pela importância do autor. Além disto, tive acesso a um livro português que transcrevia cartas da época, numa delas era relatada a morte de zumbi, em 20 de novembro de 1665. A partir de então colocamos em ação nossas propostas.

Batizamos o grupo de Palmares e registramos seu estatuto, em julho. No dia 20 de novembro do mesmo ano (1971), evocamos pela primeira vez o "Dia Nacional da Consciência Negra", na sede do Clube Marcílio Dias."Há pessoas que imaginam que o Grupo Palmares tenha chegado ao 20 de Novembro através da obra de Décio Freitas, historiador branco que escreveu "Palmares, A Guerra dos Escravos", livro que teve o mérito de pesquisar mais a fundo a vida de Zumbi. O fato é que quando decidimos pela data, não conhecíamos nem Décio Freitas nem sua obra, ele a havia editado no Uruguai, durante o exílio, em agosto de 1971.

A decisão de nosso grupo, portanto, é anterior a publicação de seu livro.

"O GOSTO PELAS LETRAS"

A literatura surgiu em minha vida na época em que ainda morava em Rosário. Minha infância foi marcada pela poesia popular, quadrinhas e versos de polca entoados durante os bailes campeiros. Ritmos típicos do meio rural gaúcho. É um momento especial, onde as mulheres tiram os homens para dançar e aí se cantam versos, o par diz uma quadrinha um para o outro, começando pelo rapaz e respondida pela moça. Também me lembro dos "causos" contados pelos mais velhos na cozinha, ao redor do fogareiro. Essas narrativas são um substrato da minha literatura.

"Mais adiante tive contato com livros e comecei a escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo. Não me desvinculei desta linguagem rural. Claro que depois experimentei outras tendências, até chegar na poesia negra, na medida em que me conscientizava".
Fonte: Isabel Clavelin e foto de Evandoir Carvalho dos Santos
" Somos a Memória que não se Cala!"
ps: O ano do Orixá Ogum se inicia muito triste, adeus Professor e Poeta da Liberdade!

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