sexta-feira

29 de Agosto - Visibilidade e Axé de Fala

* Audre Lorde

"Cada uma de nós está hoje aqui porque de um modo ou outro compartilhamos um compromisso com a linguagem e com o seu poder, também com a recuperação dela que foi utilizada contra nós. Na transformação do silêncio em linguagem e em ação, é de uma necessidade vital para nós estabelecer e examinar a função dessa transformação e reconhecer seu papel igualmente vital dentro dessa transformação.


Para quem escrevemos, é necessário examinar não só a verdade do que falamos mas também a verdade da linguagem em que o dizemos.


Para outras, se trata de compartilhar e difundir aquelas palavras que significam tanto para nós. Mas em princípio, para todas nós, é necessário ensinar com a vida e com as palavras essas verdades que acreditamos e conhecemos mais além do entendimento.


Porque só assim sobreviveremos, participando num processo de vida criativo, contínuo e em crescimento.E sempre se fará com medo - da visibilidade, da dura luz da análise, talvez do julgamento, da dor, da morte.


Mas, com exceção da morte, nós já passamos por tudo isso e o fizemos em silêncio. Eu penso todo o tempo que se tivesse nascido muda, ou se tivesse mantido um juramento de silêncio toda minha vida, teria sofrido igual, e igualmente morreria.


É bom lembrar, para não perder a perspectiva.
E quando as palavras das mulheres clamam por serem ouvidas, cada uma de nós deve reconhecer sua responsabilidade de tirar essas palavras para fora, lê-las, compartilhá-las e examiná-las em sua pertinência à vida.


Não nos escondamos detrás das falsas separações que nos impuseram e que tão seguidamente as aceitamos como nossas. Por exemplo: "Não posso ensinar a literatura das mulheres Negras porque sua experiência é diferente da minha".


Entretanto, durante quantos anos ensinaram Platão, Shakespeare e Proust? Ou: "Ela é uma mulher branca, o que ela pode dizer para mim" Ou: "Ela é lésbica... O que vai dizer o meu marido, ou meu chefe?" Ou ainda: "Esta mulher escreve sobre nossos filhos, e eu não sou mãe”. E assim todas as outras formas em que nos abstraímos umas das outras.
Podemos aprender a trabalhar e a falar apesar do medo, da mesma maneira que aprendemos a trabalhar e a falar apesar de cansadas.


Fomos educadas para respeitar mais ao medo do que a nossa necessidade de linguagem e definição, mas se esperamos em silêncio que chegue a coragem, o peso do silêncio vai nos afogar.


O fato de estarmos aqui e que eu esteja dizendo essas palavras, já é uma tentativa de quebrar o silêncio e estender uma ponte sobre nossas diferenças, porque não são as diferenças que nos imobilizam, mas o silêncio.


E restam tantos silêncios para romper!"

Texto de Audre Lorde, " poeta, guerreira, mãe, negra e lésbica".
*Palestra feita no painel Lesbianismo e Literatura,promovida pela Associação de Lingua Moderna em Chicago, Illinóis, em 28 de dezembro de 1997.
" O Povo de Santo está de olho e na luta !"
Axé

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